Lendas do Concelho de Portel

Lenda da Freguesia de S. Bartolomeu do Outeiro

Há muitos anos na povoação de Oriola, que se situava em terras baixas, junto a uma zona alagadíssa, começaram a aparecer umas febres muito graves. Com receio da situação, muitos habitantes resolveram mudar-se para uma zona mais alta e afastada do local. Um grupo de pioneiros abandonou a aldeia e subiu a serra da Alpedreira em busca de um lugar melhor para erguer uma nova aldeia.  Levaram consigo alguns utensílios e ferramentas e igualmente uma imagem de S. Bartolomeu de quem eram muito devotos e a quem desejavam consagrar a nova aldeia. Depois de muito andar, depararam-se com um monte muito alto que possuía, nas suas imediações, uma terras muito férteis para cultivar e muitas nascente de água pura. Escolheram então as encostas daquele monte para erguerem a aldeia.

Depois de muito trabalharem, anoiteceu e o grupo de gente adormeceu profundamente. No dia seguinte, quando acordaram e desejavam voltar à labuta, viram com desespero que a imagem de S. Bartolomeu tinha desaparecido!

Em vez de continuarem a construir as casas,  toda a gente decidiu ir procurar o Santo que tanto queriam para padroeiro do novo lugar. Andaram todo o dia, por todo o lado, levantando pedras e desviando mato, mas anoiteceu e a imagem não se encontrou. Resolveram então que no dia seguinte iriam alargar as buscas até ao cimo do monte. 

Quando na manhã seguinte, começaram a subir o monte, levantou-se um vendaval tão forte que quase os obrigou a voltar para trás. Alguns, mais leves, como mulheres e crianças, tinham que fazer um grande esforço para se manterem em pé e só a muito custo conseguiram atingir o cume. Pois foi, mesmo lá em cima do cabeço, de pé, que encontraram a imagem do Santo. Algumas pessoas acharam muito estranho este facto e começaram a interrogar-se se o Santo não quereria ficar no cimo do monte. Outros porém, acharam essa ideia ridícula e contrariaram essa opção, dizendo que o vendaval que fazia no cimo daquele outeiro era tão forte e tão desvairado que parecia que o "Diabo andava ali à solta" e que assim, aquele não era o melhor lugar para levantar uma aldeia!

Voltaram então para baixo, carregando a imagem do Santo e continuaram a escavar na encosta para tentar construir a aldeia.

À noite esconderam o Santo, muito bem escondidinho, para não ser outra vez roubado e deitaram-se descansadinhos.

Quando o sol se levantou e com ele a natureza e as pessoas, foi com espanto que viram, mais uma vez, que o S. Bartolomeu tinha desaparecido. Desta vez foram de fio, ao cimo do outeiro e lá estava o Santo todo direitinho, no mesmo lugar.

Ao serão realizou-se uma reunião entre todos os habitantes: uns defendiam que se devia respeitar a vontade do Santo e que ele estava a mostrar que queria a aldeia e a sua igreja no cimo do monte, pois dali podia avistar outros Santos como ele, entre os quais, S. Pedro, S. Lourenço e S. Bento. Outras pessoas porém consideravam o local inapropriado, muito íngreme e ventoso e defendiam a rir que: "de certo, S. Bartolomeu não havia de querer instalar-se num lugar onde parecia que o diabo andava à solta!"

Fizeram então uma votação e saiu vencedor o grupo que defendia em manter a aldeia na encosta do monte. Tudo certo e sem mais discussões, recolheu-se o pessoal para descansar, ficando agora dois homens grandes e fortes, a guardar a imagem do Santo. Noite fora, os guardas que tentavam resistir a não fechar os olhos, pareceu-lhes a certa altura, ver o Santo mexer os pés! Alarmados correram a avisar os outros e quando todos se aproximaram do local o Santo já lá não estava!

Deixaram então que amanhecesse para o poderem ir buscar, pois de certo estava outra vez, em cima do outeiro.

Nesse dia era 24 de Agosto e a manhã estava radiante e serena. Os habitantes decidiram-se a subir o monte, certos de que lá no cimo, tudo mudaria e o vendaval seria medonho. Com muito esforço lá foram subindo, devagar. Há medida que avançavam, começaram a estranhar não sentir o mais pequeno bafo de vento e mais admirados ficaram quando, ao atingir o cimo, nem uma pequena brisa se levantar. No cume do outeiro o sol brilhava, a temperatura era amena, a erva mostrava-se fofa e verdinha e as sombras das árvores frescas e frondosas. Muito surpreendidos com aquela maravilhosa visão, procuraram naquele paraíso, o Santo da sua devoção. E mesmo no cimo do outeiro, viram brilhar a coroa de prata de S. Bartolomeu que reflectia os raios solares e nos seus olhos grandes e negros, viram reflexos de contentamento. Na mão esquerda continuava a ter a faca, para que ninguém esqueça o seu sacrificío ao ser esfolado vivo pelos hereges, e na mão direita, para além das sagradas escrituras, exibia agora com grande satisfação, uma corrente de ferro muito grossa e  na sua ponta, mesmo aos seus pés, encolhido e temeroso, estava preso o Diabo!

O povo entendeu a mensagem: S. Bartolomeu tinha escolhido aquele lugar para que a aldeia e a sua igreja, fossem ali construídas. Não havia agora receio de que o diabo voltasse a andar à solta, pois a coragem de S. Bartolomeu tinha-o aprisionado numa grilheta!

Diz o povo, na sua sabedoria popular que todos os dias 24 de Agosto, para lembrar este feito, S. Bartolomeu solta o Diabo, por duas horas. Este, como é da sua natureza, provoca a desordem, levantando vendavais e  espojinhos, para logo a seguir tudo se acalmar e mais um ano  ele voltar à sua condição de acorrentado!