Lendas do Concelho de Portel

Lenda da Freguesia de Amieira

Em tempos muito antigos existia na Herdade dos Pernes, junto à Aldeia dos Barbudos (mais tarde aldeia da Amieira) uma vacaria, onde se criava ao ar livre uma raça especial de vacas taurinas, cujo leite, pela sua excelente qualidade, era muito apreciado em todas as terras á volta. Veio um tempo em que no Alentejo, ocorreu uma grande seca e o dono da vacaria começou a ver o seu gado a emagrecer e a ficar doente, deixando de produzir o tão apreciado leite. À medida que o campo secava também as colheitas agrícolas deixaram de render e não tardou que a população começasse a passar fome. As mães, mal alimentadas, viam secar-se os seus seios, tal como se secavam as terras e choravam de mágoa por não terem leite para amamentar os seus filhinhos.

À vacaria da Herdade dos Pernes começaram a aparecer cada vez mais mães em busca de um pouco de leite de vaca para alimentar os seus filhos. O vaqueiro porém não podia satisfazer essas necessidades, pois os seus animais, também estavam a ficar secos.

Um dia em que estava já completamente desesperado, o vaqueiro Manuel da Rocha resolveu mudar o seu gado para uma zona mais perto do Rio Degebe, na esperança de que a fresquidão da água tivesse mantido a erva mais viçosa. Ao conduzir a manada em direcção ao rio, parou no Outeiro da Giesteira e aproveitou para colher umas braçadas de giesta para fazer vassouras. Ao mesmo tempo que ia cortando o arbusto, pedia mentalmente ajuda a Deus, porque a seca estava a tornar-se demasiado prolongada e quatro das suas vacas já tinham morrido. Enquanto colhia as ramagens e as vacas acarravam debaixo das azinheiras, Manuel da Rocha pareceu-lhe sentir um pequeno sopro ao seu ouvido direito, misturado com o zumbido das abelhas. Sem saber porquê arrepiou-se e não foi de frio, porque a temperatura que fazia podia escaldar um homem, como a água a ferver escalda uma galinha.  Não ligando ao sopro que sentiu, o vaqueiro continuou a fazer os molhos de giesta, para os deixar a secar e apanhá-los quando viesse de volta e, foi aqui que, mais uma vez, ele sentiu um pequeno murmúrio junto à sua orelha direita. Desta vez, não se acanhou e perguntou:

            -Quem está aí?

            -Eu...a senhora! - Respondeu uma voz muito fininha.

            -Qual senhora? - Disse o vaqueiro, olhando para todos os lados, sem ver ninguém e já a pensar que também ele estava a ficar apanhado da cabeça.

             Mas a voz continuou:

            -Tens pedido a Deus que te auxilie neste momento difícil. Ele cumprirá! Mas antes terás que mandar construir neste outeiro uma ermida em minha honra.

            -E quem sois vós? - Voltou a perguntar o vaqueiro.

            -Sou a Senhora do Leite e quando construíres aqui a igreja, quero que me passem a  chamar, Nossa Senhora da Giesteira.

            O vaqueiro queria fazer mais perguntas mas a voz da Senhora, deixou de se ouvir.

Passaram-se cinco dias e o vaqueiro voltou da zona do Rio Degebe sem ter conseguido alimentar melhor as suas vacas. Ao passar no outeiro da Giesteira, foi recolher as braçadas de giesta para as suas vassouras e lembrou-se da voz que tinha escutado dias antes. Pôs-se novamente à escuta mas como não ouviu nada, tratou de tocar o gado em direcção ao monte. Quando deu três passos, ouviu as badaladas de um sino e sobre o monte de giestas amarelas, apareceu a figura de uma senhora muito bela a amamentar um menino que trazia ao colo.

A Senhora falou para ele:

            -Homem...estás a demorar muito em cumprir o meu desejo e enquanto não o fizeres a chuva não cairá para regar os campos e a erva nova não nascerá, os teus animais não se poderão alimentar e a seca nesta região irá continuar. Deves apressar-te a cumprir!

O vaqueiro ficou muito atrapalhado e prometeu à Senhora que iria cumprir o seu pedido.

Durante três meses o povo do local, ajudou a construir a ermida na esperança que a Senhora da Giesteira trouxesse consolo para as suas mágoas. No último dia das obras, quando estavam a colocar a cruz sobre o campanário, começou a chover com abundância. As pessoas gritaram de alegria e todos muito felizes recolheram-se ao interior da igreja e aí rezaram a agradecer o milagre à Nossa Senhora da Giesteira.

Não demorou que os campos se vestissem outra vez de erva viçosa e que os animais voltassem a engordar e a dar leite em abundância. Também as mulheres viram, em seus peitos, correr rios de leite com sabor a mel!

O padre da aldeia mandou pedir ao bispo de Évora uma Santinha para a ermida e um sino para o campanário.

Algum tempo depois foi recebida em romaria a imagem piedosa da Nossa Senhora da Giesteira. A Santa veio mas o sino é que não chegava.

Manuel da Rocha teve então o privilégio de colocar a Santa no altar-mor. Assim que a pousou, ela voltou a falar-lhe:

Manuel, ouve... há na Sé de Évora um sino muito importante: é o sino número 8, o sino que representa a justiça, a prosperidade, a multiplicação, os sucessos nos negócios e a riqueza. Esse é o sino que deve vir para o meu campanário pois só ele tem o poder de afastar deste lugar as potências inimigas do homem e dos seus bens: os demónios, a seca, o raio, o granizo, os animais maléficos, as tempestades e todos os espíritos da destruição!

Manuel foi a correr comunicar ao padre, o pedido da Senhora.

Passaram-se muitos dias e o bispo não mandava o sino!

O povo já estava enfurecido com aquela demora e alguns homens juntaram-se e dirigiram-se a Évora, com um carro de bois e carregaram o sino que retiraram da Sé.

Quando o sino chegou à ermida foi feito o seu baptismo e ditas as justas palavras:

            -Em honra de Nossa Senhora da Giesteira, a paz doravante esteja contigo, caro sino!

Suspenso no campanário o seu bronze sonoro, começou logo a fazer-se ouvir. As suas badaladas, repetidas sempre oito vezes, serviam agora para convocar os vivos, chorar os mortos, reunir o povo de Deus e dar brilho às festividades.

O toque deste sino começou  a ser  muito apreciado, em toda a região. E as invejas não se fizeram esperar.

Um dia veio em que o bispo ordenou que o sino fosse devolvido à Sé de Évora! E mesmo debaixo de muitos protestos o sino número oito teve que regressar à cidade de Évora.

A Senhora da Giesteira viu-se sozinha na sua ermida e o povo sentia muito a falta das badaladas do sino.

Passado oito dias, era Domingo e iria realizar-se um casamento na ermida da Srª da Giesteira. A noiva estava muito feliz por ter a benção da Santa mas tinha muita pena de não ouvir o sino tocar. Dirigia-se a  comitiva para a ermida, quando a meio do caminho, um sino melodioso começou a badalar no santuário:

            -Tlim-dlão!Tlim-dlão! Tlim-dlão!Tlim-dlão! - oito badaladas.

Como por milagre o sino tinha regressado.

As romarias à Senhora da Giesteira tornaram-se cada vez maiores. Vinham pessoas de todo o lado para pedir a benção da Santa e as mães pediam que tivessem sempre leite para amamentar os seus filhos.

Mas passado algum tempo, o bispo mandou dois guardas para levarem novamente o sino.

E passado algum tempo, por artes divinas, o sino voltou a regressar à ermida.

Um dia quando as vacas de Manuel da Rocha acarravam junto ao outeiro da giesteira, ele entrou na ermida de chapéu na mão e ajoelhou-se. Nessa altura a Senhora voltou a falar para ele:

            -Manuel...tudo está preparado para me virem buscar junto com o meu sino. Quando nos levarem aos dois, já não teremos forças para regressar e ficaremos para sempre na Sé de Évora.

O homem ouviu o lamento da Santa e mais tarde os seus descendentes viram que assim aconteceu!

Hoje a ermida da Senhora da Giesteira, junto à aldeia da Amieira, é um monte de ruínas e só ficou a lenda para a recordar.