Lendas do Concelho de Portel

Lenda da Freguesia de Monte do Trigo

Em tempos muito antigos, todo o espaço que hoje pertence à Freguesia de Monte-do-Trigo era composto por mais de trinta grandes herdades. Estas herdades possuíam terrenos muito férteis, a que se chamavam “barros”, onde se semeavam e cresciam os mais variados frutos e cereais. Uma dessas herdades, pertencia a um lavrador muito rico, porque todos os anos tinha a sorte de fazer uma grande colheita de cereais, especialmente de trigo.

Num dos cabeços da herdade, mandou o lavrador construir uma grande eira para poder, com a ajuda do vento, joeirar o seu trigo, separando cuidadosamente o grão da palha. Assim, de um lado, foi crescendo um grande monte de palha, destinada à alimentação dos animais e do outro lado da eira, um enorme monte de grãos de trigo doirados, tal qual pepitas de oiro ao sol. Andava o lavrador embevecido com este seu tesouro que desejava tornar cada vez maior, a fim de se tornar cada vez mais rico. Esta cobiça estava a modificar a maneira de ser do lavrador que deixara de ser um homem generoso para se transformar num velho avarento. Não falava com os vizinhos, não ligava aos filhos e fazia trabalhar os seus serviçais durante toda a semana, de sol a sol, incluindo aos Domingos.

Um desses Domingos em que o lavrador e vários serviçais estavam na eira a joeirar, a medir e a ensacar o trigo, (utilizando para o efeito a pá, o alqueire e a rasoura), viram aproximar-se do local, um mendigo muito magro, montado num burrito muito coxo.

O mendigo chegou e saudou os homens:

            -Bom-dia, meus amigos, Deus esteja convosco.

Os serviçais logo levantaram os olhos do trabalho, tiraram o chapéu e fizeram uma pequena vénia, cumprimentando o viajante. Só o lavrador, naquela sua incansável ganância, não se dignou a olhar para o recém-chegado,  não lhe dirigiu qualquer cumprimento e ficando até irritado por aquela interrupção das tarefas, zangou-se com os serviçais e exigiu-lhe que voltassem rapidamente ao serviço.

O mendigo apeou-se do burro e, com o chapéu na mão, pediu:

            -Meu bom homem, dê-me uma esmolinha, por amor de Deus!

            Mais uma vez o lavrador fingiu que não ouviu e continuou a mandar os seus homens trabalhar.

O mendigo voltou a pedir:

            -Meu senhor, peço-lhe de chapéu na mão, dê-me um pouco de trigo para fazer um pão e um molhinho de palha para matar a fome ao meu burrito.

            -Na minha casa, quem quiser comer, tem que trabalhar! - Sentenciou o lavrador muito irritado.

            -Senhor... - Disse o mendigo. - De maneira alguma, me veria hoje a trabalhar!

            -É pobre e malandro... - Resmungou o lavrador. - Vá-se embora que daqui não leva nada.

            Perante a soberba do lavrador, o mendigo endireitou-se e falou-lhe de homem para homem:

            -Homem sem lei e sem fé. Digo-te que hoje é o Dia do Senhor e que meu pai criou o Domingo para descansar. Tu, que na tua mesquinhez, não foste capaz de dar uma esmola a um filho de Deus e escravizas os teus iguais, obrigando-os a pecar por trabalharem ao Domingo, serás castigado e  verás o teu tesouro desaparecer!

Neste momento o sol eclipsou-se e o céu ficou escuro como breu. Começaram a ribombar trovões e a faiscar relâmpagos!

Mesmo assim o lavrador não se alarmou e soltando uma forte gargalhada, arregaçou as mangas e jogou-se ele mesmo ao serviço, pegando no alqueire e na rasoura para medir o trigo, pois os trabalhadores, reconhecendo Jesus, tinham-se ajoelhado a pedir perdão.

Quando o lavrador deitou o alqueire ao monte de trigo, para o encher, só trouxe pedras! E quando olhou para o monte de palha, só viu terra!

             -Estou arruinado! - Gritou – Atirando-se para cima das pedras ainda à procura dos doirados grãos de trigo.

O mendigo que era Jesus, aproximou-se dele e disse-lhe:

            -A tua avareza arruinou-te. Anda, levanta-te e mostra-te arrependido. Procura os teus amigos, passeia com os teus filhos e respeita o trabalho dos teus serviçais. Para te redimires, constrói com o teu dinheiro, uma igreja de devoção a S. Julião, o Santo que matou a fome aos pobres, recebendo para o efeito trigo das mãos de Deus !

Dito isto, o sol começou a ficar cada vez mais brilhante e num clarão de luz, o mendigo desapareceu.

O lavrador pediu perdão, mandou construir a igreja e consagrou-a a S. Julião. À volta da igreja nasceu uma aldeia. Essa aldeia ficou a chamar-se Monte-de-Trigo.